quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Audiência pública apura problemas na atenção aos imigrantes no RS durante a pandemia

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos apurou hoje (19) em audiência pública as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes no RS com as restrições impostas pela pandemia da Covid-19. Mesmo com recursos federais disponíveis para atender essa população, a prefeitura de Porto Alegre não entregou as cestas básicas e kits de higiene, enquanto que a Polícia Federal acumula demanda de 4 mil solicitações de documentos represados neste período. A oitiva virtual dos imigrantes e das autoridades públicas foi conduzida pelo deputado Pepe Vargas (PT), autor do pedido de audiência pública. 

Na abertura, o deputado Pepe Vargas destacou o histórico brasileiro de acolhimento aos imigrantes, com política de imigração e lei adequadas e reconhecidas pelos organismos internacionais, mas as entidades da sociedade civil que acolhem esses contingentes têm apontado dificuldades e limitações ao pleno exercício da cidadania dos mesmos, o que motivou o debate na CCDH. 

Os relatos apontaram restrições severas impostas aos imigrantes desde o início da pandemia, conforme mostrou o angolano Januário Gonçalves, presidente da Associação dos Angolanos RS e diretor da África do Coração RS. Mesmo com a Portaria 369/2020 destinando recurso especial para 2.400 famílias de imigrantes através da prefeitura de Porto Alegre, e com cadastramento do grupo para acesso ao auxílio aluguel, o regramento mudou e foram impedidos de receber os recursos diretamente. Levantamento feito pela Fundação de Assistência Social e Cidadania, a Fasc, reduziu para 888 famílias aptas ao recebimento das cestas básicas e kits de higiene, assim como reserva de vagas em albergues para imigrantes em situação de rua, mas até o momento nada foi liberado, apesar de promessas em 31 de julho e 7 de agosto, apontou Januário. A lentidão do órgão público em atender a demanda durante a pandemia aumenta a vulnerabilidade do grupo, que enfrenta o desemprego, situações de rua e fragilidades alimentares, “muita tristeza com relação ao trabalho da Fasc, que não cumpre seu papel em atender os imigrantes”, lamentou. 

Na região de Lajeado e Vale do Taquari os imigrantes enfrentam também as perdas acumuladas com as enchentes, uma vez que muitos deles vivem em zonas ribeirinhas nos municípios de Encantado, Arroio do Meio e Estrela, relatou o haitiano Renel Simon, que trabalha na prefeitura de Lajeado. Além das perdas materiais como roupas e móveis, preocupa Simon os danos de documentos físicos dos imigrantes pelas enchentes, o que aumenta a vulnerabilidade social uma vez que ficam impossibilitados de acessar vagas de emprego ou o sistema de saúde. Só em Lajeado, revelou, mais de 700 imigrantes ficaram desabrigados e desalojados. Muitos sem emprego, estão com dificuldade até na alimentação, mesmo com auxílio recebido da prefeitura e outras entidades. Ele reclamou das imposições da Polícia Federal para o acesso aos documentos.

Dificuldades para acessar documentação 

A Coordenadora do Fórum de Mobilidade Humana de Passo Fundo, Patrícia Noschang Grazziotin, relatou que a unidade da Polícia Federal na cidade abrange 123 municípios e não dispõe de agendamento online para a regulamentação de documentos, o que obriga o deslocamento dos imigrantes em duas ocasiões, com perdas de dias de trabalho e custo com as idas e vindas. Reclamou que poucos servidores da PF estão disponíveis para esse tipo de atendimento. E reiterou a fragilidade imposta aos imigrantes quando estão com a documentação incompleta. 

Na mesma linha foi a intervenção do Padre Jameson Mercuri, do Centro de Acolhimento ao Imigrante de Porto Alegre e da CNBB, que acusou também problemas na plataforma de acesso da PF para os agendamentos, situação identificada antes da pandemia. Explicou que sem acesso aos documentos, centenas de imigrantes são jogados na informalidade como diaristas, vendedores ambulantes ou trabalhadores temporários, ficando impedidos de atuarem em suas profissões originais. Reclamou da lentidão da burocracia na regularização dos documentos, que repercute no acesso a direitos não só de trabalho, mas moradia, saúde e educação. O Centro de Acolhimento ao Imigrante tem auxiliado o acesso à plataforma da PF, uma vez que essas pessoas não têm acesso à linguagem digital e à Internet, e algumas têm dificuldade com o idioma. “Muitos chegam até nós acreditando que somos um organismo do estado”, mostrando a lentidão do sistema e as urgências dessas pessoas. Em média, os documentos levam de dois a três meses para liberação pela PF. E com as restrições da pandemia, os agendamentos estão disponíveis só em outubro, lamentou. “Nesse tempo, são obrigados a entrar na informalidade para sobreviver”, afirmou.   

De Caxias do Sul, o advogado Adriano Pistorello, do Centro de Atendimento ao Imigrante informou a situação na Serra, onde também a questão da documentação é a preocupação principal, em especial para a regularização migratória na vida civil do imigrante. Ele explicou que além do trabalho e acesso à saúde, é preciso agilizar registros de casamentos, nascimentos e outras autorizações, como as uniões homoafetivas, que têm recebido negativas com a alegação de que se trata de fraude para arranjar emprego. Observou que o Registro Nacional Migratório com status temporário autoriza casamento e registro de filhos, mas vem sendo desrespeitado. “Falta articulação entre os poderes que tratam desta questão”, ponderou o profissional do direito, sugerindo espaços descentralizados nos municípios para atender essa população “é a vida de uma pessoa que depende de documento para acessar o trabalho, a saúde, registrar a vida civil, um filho ou casamento”. Outra ponderação foi no sentido de viabilizar através do Ministério de Relações Exteriores o acesso desses imigrantes a suas famílias nos países de origem. 

A desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, da Corregedora-Geral de Justiça, embora não tenha atuação em âmbito federal, sugeriu uma ação junto aos cartórios extrajudiciais a fim de viabilizar os registros civis legais, como casamentos ou nascimentos. Também expediu verificação de normativas para flexibilizar e orientar os cartórios para que trabalhem de forma diferenciada, tendo em vista a necessidade dessas pessoas. Sugeriu aproveitar a capilaridade dos cartórios para facilitar a obtenção dos documentos, mediante convênio com a PF. 

MPF questiona exigências

Pelo Ministério Público Federal, a procuradora Ana Paula Carvalho de Medeiros informou que acompanhou na Fasc os desdobramentos do cumprimento da Portaria que liberou recursos para atender os imigrantes para compra de cestas básicas e kits de higiene, assim como vagas em albergues. Junto com o Fórum de Mobilidade Humana, foi possível apurar a situação e adiantou que nas próximas semanas a Fasc deverá viabilizar a entrega desses produtos aos imigrantes. Sobre a documentação, o MPF também apurou os atrasos, relacionados em parte às limitações impostas também aos servidores da PF pela pandemia, e à exigência de que o imigrante deveria portar comprovante da vaga de emprego ofertada. Sobre esta exigência, encaminhou com o procurador Pedro Nicolau representação à PF. 

A Delegada Regional Executiva da Polícia Federal, Aletea Vega Marona Kunde, observou os impactos das restrições impostas pela pandemia também na PF e seus servidores, mas de março até agora foram mais de 40 atendimentos aos imigrantes, sem que o serviço de urgência tenha sido suspenso neste período nas unidades de Porto Alegre, Passo Fundo e Caxias do Sul. Houve redução do atendimento, cumprindo os protocolos de segurança adotados pela PF, inclusive com distribuição de equipamentos de proteção como máscaras e outros itens de higienização para a recepção dos imigrantes nessas unidades. A agenda estará disponível a partir de 29 de setembro, conforme Aletea Vega, que aproveitou para comunicar que a plataforma digital da PF não tem registro de instabilidade, embora reconheça que a limitação de apenas quatro idiomas, português, inglês, espanhol e francês. Sobre a situação de Passo Fundo, que não dispõe de agendamento online, disse que vai apurar essa situação anormal. 

Ações pós-pandemia

O agente da PF Dagoberto Lucas Barreto, que desde 2010 acompanha o aumento do fluxo migratório no RS, tanto de haitianos, senegaleses e venezuelanos, e o impacto no trabalho da corporação, informou que a maior dificuldade que eles encontram é no acesso ao documento migratório para desenvolver atividade civil. Também apontou as dificuldades desse grupo em acessar a Internet para os devidos encaminhamentos de agendamento, motivo pelo qual são encaminhados às entidades civis que prestam esse apoio. A PF trabalha desde 2017 com a modernização do serviço, mediante legislação, para melhorar o acolhimento ao imigrante. O agendamento eletrônico, por exemplo, reduz as filas e define o comparecimento no horário de atendimento. Na pandemia, as prioridades têm sido para os casos de urgência, como a necessidade de visto migratório para trabalho, estudo, assistencia medica, assistencia bancária.

Com a extensão do auxílio emergencial também aos imigrantes, houve aumento da demanda para regularizar a documentação. Na CEF, inclusive, normativa assegurou o acesso ao benefício sem a carteira do registro migratório, afirmou Lucas Barreto. A respeito da exigência de comprovante de emprego, adotado em 16 de março deste ano, foi em decorrência de algumas fraudes nas alegações para a urgência da carteira de trabalho. 

Nos encaminhamentos, Pepe Vargas adiantou que a CCDH vai enviar ofício aos órgãos públicos citados para providências, como a Prefeitura de Porto Alegre e a Fasc, pela demora na aplicação dos recursos federais. À PF, indagou a respeito de estratégia para o atendimento na retomada das atividades, tendo em vista a urgência da documentação para os imigrantes. E, também, a situação da unidade de Passo Fundo, para entrar no modo online de agendamento. Airton Lima comentou que a burocracia excessiva aumenta as dificuldades dos imigrantes no país. 

Conforme a delegada Aletea Vega, na previsão de retorno serão 80 atendimentos diários, com medidas mais flexíveis para enfrentar a demanda represada que, adiantou Dagoberto Barreto, é de 4 mil atendimentos pendentes. Sobre a situação em Passo Fundo, disse que será dada orientação para o uso da agenda de atendimento sem que o imigrante vá até a unidade, para facilitar. Está em estudo ampliar o horário de atendimento também nos fins de semana e feriados. 

Violência contra a mulher

Na Ordem do Dia, os deputados aprovaram o parecer favorável da deputada Sofia Cavedon (PT) à PEC 279/2019, do deputado Tenente Coronel Zucco (PSL) e 39 deputados, determinando a inclusão do § 3º ao art. 32 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. A matéria define impedimentos para a contratação de servidores públicos com registro de condenação na Lei Maria da Penha por prática de violência contra a mulher. Em Assuntos Gerais, Airton Lima (PL) comentou  o aumento de crimes contra crianças, como os casos do assassinato de bebê em Alegrete, pelo pai, e a menina no Espírito Santo que teve a gravidez interrompida aos 10 anos, fruto de quatro anos de abuso sexual pelo tio. 

A reunião registrou a presença dos deputados Sergio Peres (Republicanos), Airton Lima (PL), Luciana Genro (Psol), Sofia Cavedon (PT), Any Ortiz (Cidadania), Kelly Moraes (PTB), Issur Koch (PP), Gaúcho da Geral (PSD), Jeferson Fernandes (PT), Rodrigo Maroni (Podemos). 

Fonte: Agência de Notícias


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