As alternativas para promover a cadeia produtiva do mel e para combater episódios de mortandade de abelhas estiveram no centro do debate promovido nesta segunda-feira (19), em Santiago, pela Comissão Especial de Apicultura e Meliponicultura (criação de abelhas-sem-ferrão). A audiência pública realizada nas dependências da Escola Primo Pozzatto, na Linha 8, zona rural do município, foi conduzida pelo presidente do colegiado, deputado estadual Sergio Peres (Republicanos). Participaram líderes de entidades associativas de produtores rurais, dirigentes de órgãos de assistência técnica, representantes do Governo do Estado, autoridades municipais da região, apicultores e meliponicultores da região do Vale do Jaguari.
Foram
apresentados os projetos de lei protocolados na Assembleia Legislativa a partir
de sugestões trazidas pelos produtores desde a instalação da Comissão, em
outubro do ano passado. “Estamos não só ouvindo os apicultores e instituições,
mas também conhecendo iniciativas criadas nos municípios para alavancar essa
atividade tão importante para a economia do nosso Estado, para a alimentação
humana e para a preservação da vida no planeta. O mel é essencial para o
consumo humano, mas estamos comprometidos também em alavancar a elaboração e a comercialização
dos seus subprodutos, agregando valor ao trabalho dos nossos produtores”,
pontuou Sergio Peres, ao abrir o evento. As reivindicações dos participantes constarão
no relatório final dos trabalhos da Comissão e serão levadas ao Poder Executivo
Estadual e ao Ministério da Agricultura, com vistas à construção de um plano
permanente de desenvolvimento da cadeia produtiva.
O
presidente da Câmara Setorial de Apicultura, Patrick Luderitz, apresentou o
trabalho desenvolvido pelo órgão vinculado à Secretaria Estadual da Agricultura
e falou da intenção manifestada pelo segmento de não dissociar a criação de
abelhas em apicultura e meliponicultura, termos utilizados para definir a mesma
atividade, com igual importância econômica e ambiental – e que dependem das
mesmas políticas para o seu pleno desenvolvimento. Ele também destacou o papel
da Comissão na articulação das pautas defendidas pela Câmara Setorial. “Muitas soluções
que nós estamos construindo com os produtores passam, necessariamente, pela
legislação. Nessa direção, reconhecemos a importância da existência de um
colegiado específico dentro do Poder Legislativo para dialogar e conduzir as
matérias de interesse do setor”, reconheceu. Já o secretário de Agricultura de
Santiago, Ademar Canterle, lembrou a vocação apícola do município, considerado
o berço da Apicultura do Rio Grande do Sul o que, de acordo com ele, reforça a
importância do diálogo com o segmento da região para expandir a atividade.
Profissionalização do setor
Ao
fazer referência ao projeto de lei que inclui o mel na cesta básica dos gaúchos
e à proposição que insere o produto na merenda escolar, o chefe do escritório
da Emater de Santiago Dairton Levandowski lembrou que o mel tem grande potencial
de comercialização quando consideramos o consumo nas Forças Armadas e em ações
de assistência social para famílias em situação de vulnerabilidade, mas alertou
para as dificuldades de profissionalização do setor. “Hoje, não é possível
conceber a oferta do produto em garrafas pet. Precisamos vender com rótulo e formalizar
nossa agroindústria”, defendeu. Na mesma direção, o presidente da Federação Apícola
do Rio Grande do Sul (FARGS) Davi Vicenço, destacou a importância da criação de
abelhas enquanto alternativa de renda às famílias e o seu papel na permanência
das pessoas no campo. “É um setor rentável, mas temos que unir a apicultura e a
meliponicultura, com ações capazes de estimular e atrair os jovens para essa
atividade”, observou.
Representando
a Casa Civil do Estado, Mareli Vogel falou sobre a relevância que está sendo dada
ao tema pelo governo atual e anunciou a regulamentação da legislação que dispõe
sobre a Meliponicultura. “Muita gente começa a atividade como hobby, mas pode
ser fonte no orçamento do trabalhador. O mel tem valor para nós, mas precisa
também ter um valor econômico, pois é alternativa de renda e a atividade é
essencial ao meio ambiente. Por isso, há um compromisso do Executivo Estadual
em regulamentar a lei a partir das ideias que são apresentadas pelos agentes do
setor”, ponderou. A decisão do governo foi ratificada pela bióloga Isa Carla
Osterkamp, que representou a Secretaria Estadual do Meio Ambiente na audiência
pública. “Estamos juntos com vocês para
regulamentar o decreto dos meliponídeos, publicado em dezembro do ano passado. Sabemos
que ainda há coisas faltando, mas consideramos um passo inicial. Pretendemos
avançar em outras questões, como das espécies, e nesse momento precisamos da
união de forças entre instituições e produtores para fortalecer a atividade,
pois há um universo que envolve essa cadeia – tem os benefícios de saúde, o
potencial econômico, as questões educativas e a importância ambiental”,
descreveu.
Mortandades de abelhas
Alguns
produtores relataram a dificuldade em evitar ocorrências de extermínio de
abelhas por agroquímicos de uso nas lavouras e foi consensual o posicionamento
em defesa da criação de mecanismos de controle para evitar a contaminação. A
esse respeito, manifestaram a urgência para a aprovação do Projeto de Lei 561/2023,
que estabelece regras para a pulverização de defensivos agrícolas no Rio Grande
do Sul.
“Em
2018, tivemos envenenamento de abelhas num raio de 12 quilômetros. Foram mais de trezentas colmeias perdidas no
auge da safra e desde lá eu não me equilibrei mais, as dívidas acumulam”,
lamenta o apicultur Ailton Bressan, do município de Mata. Somado à perda, ele
relata a falta de respaldo ao produtor, que precisa arcar com custos para a
recuperação, os processos judiciais não andam, não há fiscalização e ninguém é
responsabilizado pelo prejuízo.
A
esse respeito, o técnico da Inspetoria Veterinária de Itacurubi, Orimar Rigon Chaves, esclareceu que, imediatamente
à comunicação de contaminação, é feita a coleta de material para análise nas
propriedades, mas a estrutura é insuficiente para a alta demanda. “Quando há
denúncia nós vamos ao local, coletamos terra e folha, enviamos para a análise
em Santa Maria, acompanhamos as circunstâncias que envolvem a contaminação, mas
hoje somos três agrônomos para 27 municípios da regional de São Luiz Gonzaga, o
que compromete a assistência”, explica.
O apicultor Vitor Piccoli
Kronemberger, que produz rainhas em Ijuí, chamou a atenção para a necessidade de
simplificar as ações visando à garantia da sanidade das colmeias. “Eu lido com
lavoura e com abelhas. Sabemos que um produtor não pode ficar uma hora na
frente do computador para comunicar a aplicação de um produto. Existe a disposição
de todos em colaborar, mas é preciso facilitar o cadastro de propriedade, de localização,
considerando ações do vento e com tempo de tolerância para que os apicultores
possam fazer o manejo adequado. Nós precisamos, acima de tudo, nos comunicar
mais, avisar o produtor da existência de colmeias próximas, compartilhar nossas
experiências, mostrar as iniciativas que estão dando certo, é assim que se
constrói”, sugeriu.
O presidente do Parque Apícola de
Taquari, Ademir Haettinger, frisou a importância de incluir o fabricante do
defensivo no rol dos responsáveis por evitar a contaminação de abelhas. “Estamos focando em quem aplica o defensivo,
mas o cuidado das abelhas deve ser de todos. Quem fabrica o insumo precisa
participar da construção de práticas corretas em todas as etapas do processo,
do comércio ao consumidor final”, alertou Haettinger, que é apicultor em
Bossoroca. A proposta foi endossada por Piccoli: “Nos conteúdos dos cursos
realizados pelo fabricante poderia constar a relação do uso com a mortandade das
abelhas e as formas de prevenção, como o uso noturno. Quanto mais informação,
melhor”.
O extensionista da Emater de Santiago, Otávio Mendonça Poleto,
observa que a proteção das abelhas começa
pelo cadastramento das propriedades. “O número de colmeias ainda é impreciso,
temos dificuldade de mapeamento. O sojicultor não quer prejudicar o apicultor,
longe disso, mas ele precisa saber a respeito das criações, é necessário haver
essa comunicação. Assim, nós podemos orientar sobre a aplicação, senão ele fica
sabendo só depois que já aconteceu a mortandade. E temos que afinar a questão
da legislação para facilitar essa convivência, deixando menos burocráticos os
passos para o cadastramento”, sugeriu.
Apicultor
há 56 anos, Adi Pozzatto também defendeu a coexistência harmônica entre as
culturas. “A gente não fica tranquilo quando um apicultor perde as suas colmeias,
seja por questão climática, ou por mau uso de defensivos. Não podemos esquecer
que a apicultura é agronegócio. Quando a apicultura não está bem, o agronegócio
também fica prejudicado, pois a abelha é essencial na polinização, mas ainda há
pouco conhecimento a respeito desse processo – e disseminar a informação tem
que ser prioridade”, sustentou o fundador do Apiário Padre Assis, o mais antigo
do Rio Grande do Sul. O produtor relatou um levantamento feito em propriedades
onde não há mortandades, com trabalho de polinização em vários municípios da
região. “Ou seja, tem como produzir milho, soja, carne, sem matar a abelha.
Quando se consegue isso, se conquista o progresso”, concluiu.
Seguro apícola
Foi aventada a possibilidade de
criação de políticas de amparo ao produtor em períodos de adversidades e de
perda de colmeias. A instituição de um seguro apícola, similar aos programas
existentes para outras culturas agrícolas, foi apresentado pelos participantes como
alternativa para evitar o abandono da atividade nas propriedades rurais. “Temos que criar um fundo para a
abelha. Quando o animal morrer, dar assistência ao produtor, temos que organizar
a casa se quisermos que a apicultura se mantenha, propôs Haettinger.
Ao final de março deste ano,
encerra-se o prazo para a Comissão Especial
de Apicultura e Meliponicultura reunir a pauta reivindicatória do setor, votar relatório final em
plenário e encaminhar as propostas da cadeia produtiva do mel ao governo
estadual, governo federal e órgãos de regulação.
Presenças
Também
participaram da audiência pública o vereador de Santiago, Fernando Silveira de Oliveira, que preside a
Associação Regional Santiaguense de Apicultura (ARSA); os representantes da Associação Cacequiense dos
Criadores de Abelhas (ACCAMEL), Clara da Rosa Rosado e Luiz Mário Rosado; o tenente
Monteiro, representando a Patran; o extensionista da EMATER Otávio Poletto; a
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mata, Sandra Della Giustina;
o representante do SENAR de Santiago, Alisson Costa de Oliveira; apicultores e meliponicultores
de Santiago, Nova Esperança do Sul, Jaguari, Itacurubi, São Pedro do Sul, Taquari,
Mata, Cacequi, São Vicente do Sul e Ijuí.
Composição
São
titulares da comissão os deputados Sergio Peres (Republicanos), que preside o
colegiado; o vice-presidente Elton Weber (PSB); o relator Cláudio Tatsch (PL);
Airton Artus (PDT); Airton Lima (Podemos); Dr. Thiago Duarte (União Brasil); Elizandro
Sabino (PTB); Frederico Antunes (PP); Gaúcho da Geral (PSD); Issur Koch (PP);
Professor Bonatto (PSDB) e Zé Nunes (PT).
Fonte: Jorn. Karine Bertani | MTE 9427 | Assembleia Legislativa