quarta-feira, 24 de junho de 2020

Cidadana e Direitos Humanos

Ex-deputado Antenor Ferrari apresenta relato 
sobre a criação da CCDH há 40 anos



Para resgatar a memória e os princípios que orientaram a criação da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia há quatro décadas, o presidente do colegiado, deputado Sergio Peres (Republicanos), ouviu hoje (24) o depoimento virtual do ex-deputado Antenor Ferrari, responsável pelas articulações que resultaram na criação da comissão em 25 de junho de 1980. No relato, ele registrou o desaparecimento de fitas cassetes gravadas junto à CCDH com o testemunho de familiares e vítimas de atos violentos praticados pelos agentes da ditadura militar, material que Peres tentará recuperar através de solicitações legais na Assembleia para resgatar essa memória.

Impedidos pela pandemia de promover as homenagens presenciais, os deputados da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos convidaram o primeiro presidente, deputado Antenor Ferrari, para participar da reunião virtual desta quarta-feira (24), como registro simbólico do ato de fundação da comissão surgida na Resolução nº 1.817, com a missão de assegurar a cidadania e a afirmação dos direitos civis e políticos. Instalada na esteira da abertura democrática, logo após a promulgação da Lei da Anistia, a CCDH nasceu do compromisso de parlamentares gaúchos com a democracia, que criaram a primeira Comissão de Direitos Humanos do País, em âmbito legislativo, e uma das mais antigas entidades públicas a atuar nesta área.


Durante o espaço de Assuntos Gerais, o presidente da comissão, deputado Sergio Peres, fez a apresentação do homenageado, o ex-deputado Antenor Ferrari, destacando o exemplo de atuação parlamentar e a determinação em promover ações pelo direito das minorias e contra o abuso econômico e de autoridade. Mostrou a rotina atual da comissão, no atendimento das demandas sociais, como as ações de despejo em moradias populares e os abusos de raça ou ideologia de gênero, que é quando a CCDH cumpre sua função de assegurar os direitos de todos. Elogiou a bravura de Ferrari no enfrentamento da ditadura, “se hoje temos abuso de autoridade e ameaças, imagina como não seria há 40 anos”.

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos surgiu na esteira da ação do Movimento de Justiça e Direitos Humanos no episódio do sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Diaz, no final da década de 70, depois da atuação da Assembleia na CPI instalada para investigar o caso, que evidenciou na parceria das polícias brasileira e uruguaia o perfil do Plano Condor na América do Sul. A sigla acolhia, além dos Direitos Humanos, Meio Ambiente, Segurança Social e Defesa do Consumidor, informou o ex-deputado, que trabalhava com outros dois deputados, Américo Copetti, também do MDB, e Pedro Américo Leal, da Arena. Estava em vigência o bipartidarismo e só atuavam essas duas legendas.

Estratégias contra a censura

Com Copetti, Ferrari ajudou a fundar o Movimento de Justiça e Direitos Humanos, liderada por Jair Krischke e vinculada à sociedade civil e dali surgiu também a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, a partir dos trabalhos da CPI instalada para apurar o sequestro dos uruguaios em conluio com a polícia gaúcha e do país vizinho. O MJDH fez a denúncia do sequestro e logo em seguida  foi instalada a CPI, “e depois surgiu ambiente para criar  a comissão permanente de Direitos Humanos na Assembleia”, contou, como necessidade para apurar também as sequelas deixadas pela ditadura militar brasileira, as mortes, presos políticos e desaparecimentos, “a CCDH seria instrumento para dar voz a estes setores”, explicou, referindo-se também à censura que impedia a imprensa de apurar as versões dos fatos relatados pelos perseguidos políticos. “A CCDH surgiu neste ambiente, da ditadura brasileira e também no Cone Sul”.


Para assegurar a instalação, o período de comando da Assembleia pelo MDB oportunizou aglutinar outras áreas, como meio ambiente, segurança social e defesa do consumidor aos direitos humanos. Mas a luta ambiental que surgiu no RS em função da contaminação por agrotóxicos nas águas do Guaíba e seus afluentes foi outra vertente inspiradora da CCDH, revelou Ferrari, que ampliou a mobilização dos ambientalistas pelo interior, através da sociedade civil e de entidades sindicais e federações de diversas áreas, numa ampla discussão que resultou na Lei dos Agrotóxicos, pioneira no RS e no país e uma das mais avançadas do mundo. A militância dos ambientalistas desmistificou a relação da indústria química, em especial a alemã, com os produtores agrícolas, as maiores vítimas de doenças degenerativas e câncer, e alcançou a consciência dos consumidores para evitar os produtos com agrotóxicos. Lamentou que o atual governo tenha liberado “de forma criminosa a produção agrícola sem restrições ambientais”.

Antenor Ferrari comentou que a imprensa censurada determinou uma dinâmica para a atuação da CCDH que adotou os depoimentos de familiares de presos políticos, de desaparecidos, torturados, “todos (depoimentos) abertos ao público e com a presença da imprensa”, resultando em centenas de fitas cassetes gravadas, que misteriosamente não estão mais disponíveis no acervo da CCDH, avisou. 

Outro episódio que ilustra a atuação da CCDH nesse período foi a visita à Ilha do Presídio, localizada entre Porto Alegre e Guaíba e onde estavam presos diversos líderes políticos, com o ex-deputado Carlos Araújo, então marido da ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-deputado e ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont, e outros prisioneiros políticos. Para a visita, a comissão não informou a polícia civil, como era obrigatório, e convocou a imprensa local e nacional, “já tínhamos legitimidade para algumas ações”, revelando o estratagema para escapar da censura que, mesmo naquele momento de reabertura política (início da década de 80), ainda preservava o controle das publicações. Um barco foi alugado e a comitiva chegou até a ilha, surpreendendo os militares que receberam o grupo com fuzis e baionetas, mas foram intimidados pela presença das câmeras de TV e os microfones das rádios, além da presença dos jornalistas que fizeram transmissões ao vivo. “A imprensa teve a oportunidade de descrever a vida dos presos políticos naquele ambiente”, comentou Ferrari, num dos exemplos citados para evidenciar a importância da CCDH “como instrumento público essencial para proteger os direitos dos cidadãos gaúchos”.

Ele relatou, ainda, a referência da CCDH para os perseguidos e exilados políticos que viviam no RS, que nas suas dependências realizavam reuniões e debates sobre o contexto político, além das conexões com o MJDH para assegurar deslocamentos desses grupos para a Europa, com apoio da Anistia Internacional. Ferrari contou que em sessão solene para homenagear a revolução de 64, tradicionalmente apenas comentada pelos deputados da Arena, que apoiava aquele regime político, numa ocasião resolveu fazer uso da palavra e da tribuna, no plenário lotado de militares de todas as patentes, foi lendo o nome de cada um dos desaparecidos políticos e cobrou a localização dos mesmos, se estavam vivos ou mortos. Imediatamente o plenário foi se esvaziando até não sobrar nenhum militar ouvindo o discurso. O ex-deputado, nessa época, vivia com permanente acompanhamento de seguranças e também sua família.

Nos dias de hoje

Ex-presidente da CCDH, o deputado Jeferson Fernandes (PT) destacou a orientação do colegiado, “nasceu para assegurar a cidadania e afirmação de direitos civis e políticos violados pelo arbítrio da ditadura”, resultado do “pioneirismo de parlamentares comprometidos com a democracia”. Trata-se da comissão que recebe maior número de demandas da sociedade civil e promove atendimento ao público, acolhendo as solicitações e denúncias, além de promover palestras e elaborar pareceres e visitas técnicas em órgãos públicos e privados, “apurando denúncias de violação de direitos, individuais ou coletivos, provenientes de todos o RS”, destacou. No âmbito legislativo, é comissão de mérito, aprecia e formula projetos, promovendo a articulação da sociedade com o poder público, definiu Fernandes, que na ação de despejo da ocupação Lanceiros Negros, no centro de Porto Alegre, em 2018, com forte aparato policial registrou excessos dos agentes da segurança contra o parlamentar. Pautada pela sociedade, a CCDH está desafiada, neste momento de retrocessos e crescente violação dos direitos humanos, a celebrar suas conquistas e reafirmar sua missão, afirmou Jeferson Fernandes.

A deputada Sofia Cavedon (PT) referiu os atos antirracistas que explodiram nos Estados Unidos, depois da morte de um negro em ação de policial branco, repercutindo em todo o mundo e também no Brasil, onde “estamos longe de assegurar os direitos humanos”, diante do genocídio de jovens negros. Também as mulheres sofrem restrições e violência em seus direitos, tanto que diretrizes recentes foram aprovadas na Assembleia, buscando alcançar mudanças culturais e comportamentais, apontou Cavedon, autora dessa matéria legislativa. Ela alerta também para os retrocessos nos direitos humanos no país, quando o presidente da República defende um torturador, o Coronel Ustra, e sua família contrata advogado que atua para que esse militar não pague os crimes cometidos contra o estado brasileiro, justamente o cenário que inspirou o início do trabalho da CCDH na Assembleia gaúcha.

Vice-presidente da comissão, o deputado Airton Lima (PL) sugeriu a criação de um acervo específico com a trajetória de Antenor Ferrari, como forma de preservar a sua memória e servir de referência para as próximas gerações, para que tomem conhecimento “do enfrentamento para chegar aos direitos humanos”.

Fonte: Agência de Notícias


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