quarta-feira, 3 de julho de 2019

Audiência Pública

Debate sobre o luto parental propõe lei 
para normatizar cuidados aos familiares



No transcurso da 1ª Semana Gaúcha do Luto Parental, que acontece de 1º a 7 de julho, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos promoveu hoje (3) audiência pública para abordar o tema e evidenciar a necessidade da qualificação dos profissionais da área de saúde para o acolhimento de pais e mães enlutados. Da conversa resultou o encaminhamento de proposta de projeto de lei para normatizar procedimentos nos hospitais nos casos de morte de bebês, como a utilização de pulseira de identificação para a mãe e a possibilidade de quartos separados aos pais enlutados, conforme sugeriu a ONG Amada Helena, responsável pela proposição da audiência pública à deputada Fran Somensi (PRB).

A audiência pública, realizada no Espaço da Convergência, discutiu com autoridades médicas, públicas e entidades vinculadas ao tema. Sob a presidência da deputada Fran Somensi, o difícil tema da morte prematura de filho ou filha ultrapassou os limites da dor vivenciada pelos pais para se tornar pauta da sociedade e promover mudanças no comportamento diante do sofrimento. “É um assunto que precisa ser abordado”, disse Fran Somensi na abertura dos debates, uma vez que a perda dos filhos contraria o curso natural da vida e faz com que os pais convivam com essa ausência. “Abordar, entender e multiplicar esses conceitos é nossa missão, para contribuir não apenas no entendimento de quem passa pela provação, mas para tornar a sociedade mais solidária, humana e altruísta”, afirmou a parlamentar.

Cuidados especiais 

Tratado como tabu pela sociedade, o luto parental ganha visibilidade e pede alteração nos procedimentos hospitalares, como sugeriu Tatiana Maffini, responsável pela ONG Amada Helena, surgida em 2013 depois que perdeu a filha aos 17 dias de vida. Ela encaminhou uma proposta de projeto de lei para a adoção de cuidados especiais, como a identificação da mãe enlutada com uma pulseira, para evitar a repetição da sua perda durante o período de internamento hospitalar e, ainda, a permanência em quartos individuais na maternidade, evitando o contato com a rotina de outras mães com seus bebês. Esse sofrimento foi relatado por Adjardielen da Silva dos Santos, de Esteio, que perdeu o bebê no parto e durante dois dias, mergulhada em seu luto, conviveu no mesmo quarto com o choro e a alegria provocada pelos recém-nascidos. “Faltou empatia das pessoas”, disse ela, que considerou “tortura psicológica” escutar o choro de outra criança horas depois de perder seu filhinho. Também o pai, Cristian Diego Moraes Quinteiro, relatou o sofrimento vivido e o fato de que foi tratado com invisibilidade pelos profissionais no hospital, “faltou capacitação”.

Conforme Tatiana Maffini, “não existem fórmulas mágicas, perder filho dói para sempre”, mas ensina que “o abandono do sofrimento, a informação e a troca são os caminhos para a superação”. Aos 38 anos e com um filho nascido após a perda da filha Helena, criou a ONG para oferecer uma ferramenta aos enlutados que, como ela, sofreram a perda e buscam apoio para a superação. Nada melhor que a criação de redes de apoio para enfrentar as dores provocadas pelo luto parental, pediu Tatiana. No endereço do Facebook @ongamadahelena é possível acessar as atividades da ONG.

O secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Catarina Paladini, reconheceu que as estruturas do estado não estão preparadas para enfrentar esse assunto, mas antecipou seu apoio à iniciativa da Assembleia em tratar do assunto e propor medidas de acolhimento. Comentou que a Cartilha de Orientação ao Luto Parental é uma forma de orientação mas “falta o anteparo social”, propondo grupo de trabalho envolvendo as secretarias estaduais transversais ao tema, como saúde, educação e direitos humanos, com caráter regional.

Luto é tabu social 

O médico paliativista da Santa Casa de Porto Alegre e especialista em luto, João Luiz de Souza Hopf, ponderou que “além de entender o tamanho da dor, temos a obrigação de trazer a discussão de forma aberta e sincera para a sociedade”. Esse tema, embora frequente nos hospitais e no dia a dia dos profissionais de saúde, é pouco estudado nas faculdades de medicina. “Nosso papel como médico paliativista, especialista em luto, é cuidar do sofrimento humano nas suas diversas dimensões, física, psicológica, espiritual e social”, referindo que uma internação hospitalar envolve a família e, em caso de morte, todo o ambiente familiar é modificado e precisará de cuidados. Souza Hopf entende que é preciso reverter a “desumanização da assistência em saúde”, e o acolhimento dos enlutados é o desafio. Revelou que os estudantes de medicina recém-formados, no primeiro ano enfrentam a morte de 40 a 50 pacientes e esses profissionais, em sua maioria, relatam estresse e despreparo para essa situação. “Tanto quanto garantir o ensino de técnicas para o alívio de sintomas, é preciso desenvolver competências humanas como empatia e solidariedade para que esse cuidado seja dado aos pacientes e às famílias”, afinal, orientou o especialista, “uma das coisas que o luto ensina é que as pessoas que amamos nunca perdemos, permanecem em nossas vidas”.

Do Centro de Estudos da Família e do Indivíduo, Brunelly Ramos Ferrari, que responde pelo Núcleo de Atendimento ao Luto, apontou os diversos tipos de luto, além do parental, como o luto antecipatório e as múltiplas perdas, “o luto é manifestação social do sentimento de pesar assumido socialmente diante de perda, e afeta para sempre”. Provoca reações físicas e comportamentais que podem se prolongar por meses ou anos, derivando em tristeza, culpa, raiva, solidão, dependência química e, até mesmo a despersonalização, que é a sensação física de não pertencer ao real. Agrava-se com sintomas como falta de ar, respiração curta, fraqueza muscular, boca seca, suscetibilidade à doenças, estresse e falta de cuidados de higiene simples. Do ponto de vista cognitivo, pode levar a pessoa a apresentar quadro de descrença, confusão, déficit de memória, pensamentos obsessivos, alucinações. Ou mudanças no comportamento social da pessoa em luto, distúrbio do sono, perda de apetite, álcool, fumo, isolamento. “A perda é vivida de forma individual e particular”, observou a profissional, variando de acordo com as circunstâncias da morte do ente querido, mortes repentinas, em mesa de operação, suicídio, perda gestacional, acidentes e outras situações. Advertiu que “o luto constitui-se em fator de risco para a saúde mental e diagnóstico e tratamento são fundamentais para a prática clínica”, ponderando que a aceitação da perda é passo fundamental para a superação. No caso do luto parental, explicou que reverte em sensação de impotência e sentimento de fracasso dos pais como cuidadores, tornando-se uma culpa a acompanhar o casal que, quando não consegue enfrentar essa dor, acabam se separando. “O vínculo com o filho morto sempre vai existir, não existe ex-mãe ou ex-pai, é preciso encontrar um novo e diferente para acomodar essa pessoa que se perdeu”, ponderou Brunelly.

Avançar com o tema 

Pela ONG Prematuridade.com, Denise Leão, também fundadora da Associação Brasileira de Pais de Bebês Prematuros, relatou o trabalho para o aumento de leitos de UTI neonatal, e da humanização para o acolhimento dessas famílias. Explicou que as UTIs, às vezes lotadas, têm notificação de 80% e, por isso, “precisamos provar para o governo que precisamos de mais leitos”. Informou que 70% dos óbitos neonatais acontecem em consequência de parto prematuro, o que exige o acolhimento das famílias e isso exige preparação dos profissionais.

Pela Defensoria Pública, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, o defensor Mário Silveira Rosa Rheingantz ressaltou a importância de o tema estar em discussão “e repercutir em política públicas ampliadas e humanizadas”. Mais de um milhão de pessoas, em 2018, passaram pelo atendimento da Defensoria, e para atender esse público é preciso ampliar o acolhimento, o que deve ser feito mediante qualificação. A atuação da instituição é interdisciplinar, como a violência contra a mulher e pessoas com deficiência, e também em relação à diversidade, mas o luto parental impõe-se como temática a ser tratada pela instituição.

Rodrigo Castilhos, da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, explicou que o luto parental pertence à área de cuidados paliativos, especialidade médica existente em muitos países e que objetiva promover qualidade de vida para o paciente e seu familiar através de abordagem multidisciplinar. Informou que a Assembleia aprovou, em 2018, o PL 222/2017, de autoria da deputada Stela Farias, instituindo a política Estadual de Cuidados Paliativos no RS. Seguiram-se intervenções da Diretora de Normas da AMRIGS, a psiquiatra Sonia Elisabete Kunzler; a psicóloga Regina Parmeggiani, do Grupo de Apoio Vida Urgente da Fundação Thiago Gonzaga; Marilise Fraga Souza, da Secretaria da Saúde; a vice-presidente do Instituto do Câncer Infantil, Silvia Forster; e Cristiane Martins, da secretaria municipal de Saúde de Esteio, especializada em luto.

Feminicídio em debate 

Sem quórum para votação dos dois requerimentos na Ordem do Dia, durante o espaço de Assuntos Gerais o deputado Airton Lima (PL) comunicou o calendário de audiências públicas no interior que tratarão, no segundo semestre, do feminicídio e violência doméstica. Os seis encontros serão realizados a partir de agosto em Pelotas (dia 9); Canoas (dia 19); Uruguaiana (dia 23/8); Veranópolis (dia 9/9); Bagé (dia 27/9); e Rio Grande (dia 4/10).

Presenças 

Participaram da reunião os deputados Sergio Peres (PRB); Airton Lima (PL); Dirceu Franciscon (PTB); e a deputada Luciana Genro (PSOL).


Fonte: Agência de Notícias | Assembleia Legislativa

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