segunda-feira, 10 de abril de 2017

Ressocialização nos presídios

Audiência pública encerra atividades externas da CEFSIP

Sugestões de autoridades, servidores e Igrejas serão levadas ao Governo Estadual


O papel das Igrejas na ressocialização da população carcerária e no tratamento de dependentes químicos no Rio Grande do Sul foi tema de audiência pública realizada nesta segunda-feira (10), em Porto Alegre, na sede do Ministério Público Estadual.

O debate foi coordenado pelo deputado estadual Sergio Peres (PRB), presidente do colegiado, e contou com a participação de parlamentares, autoridades policiais, representantes do Poder Judiciário, lideranças religiosas, OAB, Defensoria Pública, Poder Executivo Estadual, Ministério Público, servidores da Segurança Pública e voluntários de evangelização. Os ex-apenados Elton Conceição de Freitas e Lacir Moraes Ramos deram depoimentos sobre a mudança de vida promovida pelo auxílio espiritual que receberam no cárcere. “Quando conheci o evangelho na prisão, eu comecei a ver que havia esperança pra mim – eu sou um milagre. Fiquei 29 anos na prisão, hoje estudo e trabalho. Eu acredito que eu sou prova viva de que não existe bandido irrecuperável”, relatou Ramos, que hoje é evangelista da Assembleia de Deus.


O encontro encerrou as atividades externas da Comissão Especial para tratar da Função Social das Igrejas nos Presídios e nos Centros de Recuperação de Drogadição no RS (CEFSIP), instalada na Assembleia Legislativa com o intuito de facilitar e fortalecer a atuação dos voluntários nesses locais.

“É um trabalho que não tem custos para o Estado, mas que precisa ser fortalecido e ampliado. Há dificuldades estruturais em alguns presídios, que demandam um olhar mais comprometido não só para a assistência espiritual como também para a promoção do trabalho. A questão prisional precisa envolver não só o governo, mas as instituições em geral, a iniciativa privada e toda a sociedade”, afirma Peres.

Na mesma direção, o relator da Comissão, Missionário Volnei (PR), lembrou a dificuldade em atingir todos os apenados e a importância do trabalho como complemento à assistência religiosa. “O apoio espiritual vem recuperando vidas, mas é preciso fazer mais. Precisamos também diminuir as barreiras aos cursos profissionalizantes e à instalação de empresas dentro dos presídios”, destacou.

Os parlamentares percorreram as regiões do Estado verificando condições de presídios e de centros de tratamento de dependência química a fim de buscar soluções aos entraves estruturais e burocráticos enfrentados pelos evangelizadores. As sugestões colhidas com autoridades policiais, servidores dos estabelecimentos prisionais e voluntários das Igrejas comporão relatório de trabalho a ser aprovado em plenário até o mês que vem.

Durante o debate no MPE, o Procurador de Justiça Gilmar Bortolotto apontou o aumento da população carcerária como um dos obstáculos para a implementação de programas de ressocialização. De acordo com ele, em menos de 20 anos a população carcerária triplicou e o Estado não conseguiu acompanhar a velocidade desse incremento. A situação se agrava, em parte, pelo índice de retorno dos apenados às casas prisionais, que hoje chega a 70%. “Isso faz com que o senso comum diga que aquele sujeito não tem solução. Mas é preciso reconhecer que a assistência religiosa tem se mostrado como um investimento concreto em segurança pública. Mesmo o preso em pior condição sai caro para o Estado, pois em liberdade trará dano material e também prejuízo de vidas à sociedade”, alerta. Bortolotto também contestou a tese de que o trabalho e o estudo, por si só, ressocializam. “Aprender um ofício ou tornar-se uma pessoa mais intelectualizada não tira o apenado do crime. O apoio espiritual se faz necessário porque não há recuperação do ser humano enquanto não houver revisão dos valores que conduzem suas ações. Com a transformação de valores, ele vai mudar o comportamento consigo mesmo e, a partir daí, vai construir uma nova relação com a família e depois com a sociedade. E quem descobre o valor da própria vida passa a valorizar, de igual forma, a vida do outro”, sustentou o procurador, ao defender o acesso dos voluntários nas instituições prisionais. “O que se propõe é proporcionar o ingresso dos evangelizadores com um pouco mais de destemor, pois eles não representam ameça, mas um reforço para a pacificação”.

A vice-presidente da CEFSIP, Liziane Bayer (PSB), falou da sua trajetória como evangelizadora e elogiou o trabalho da capelania. “É preciso dar-nos conta de que o apenado é parte de nós, é parte da sociedade. O presidiário é aquele que nenhuma cidade quer, que a sua região não quer assumir. Mas as Igrejas têm muitos testemunhos de pessoas que deram outro rumo para suas vidas por meio da fé, por isso esse trabalho segue, e não vai parar”, proclama.

O tenente-coronel da Brigada Militar Marcelo Gayer reconheceu o papel dos evangelizadores na mudança de conduta dos apenados que recebem auxílio espiritual e na diminuição do índice de reincidência no crime nesta parcela de egressos do sistema prisional. “Consideramos a assistência religiosa uma medida estratégica na diminuição da reincidência. Os resultados, nesse sentido, têm nos mostrado que os evangelizadores são pessoas que estão nas instituições para nos ajudar e que, de certa forma, estão suprindo uma necessidade que o Estado sozinho não consegue alcançar”, constata o diretor da Cadeia Pública, antigo Presídio Central.

Bárbara Lenzi levou a própria experiência como defensora pública para o debate e abordou a atuação das Igrejas no contexto da criminalidade. “Nosso trabalho é muito questionado, mas em cada pessoa que eu defendo, eu vejo uma esperança. Há uma crise moral e ética em toda a sociedade e, somado a isso, vemos crianças que já nascem em situação precária e que nem sempre entram no caminho do crime por escolha própria. Eu vejo a Igreja como o amor capaz de mudar as pessoas, de transformar a vida de cada criança, de cada ser humano. É isso que a sociedade precisa hoje”, avalia.

A presidente do Conselho da Comunidade de Porto Alegre, Simone Zanella, lembrou a urgência de olhar para os apenados que estão em liberdade condicional. “A justiça, as religiões, o Poder Público – todos os cidadãos são responsáveis por possibilitar o retorno desse sujeito que está voltando, e que se encontra no limbo da sociedade. É preciso lembrar, também, que o preso não paga só a pena de privação de liberdade prevista em sua sentença. A humilhação, o sofrimento da família, o adoecimento psíquico seu e da família não estão na sua sentença, mas estão na pena”, lembrou. Há 24 anos estudando o sistema prisional, a coordenadora do programa “Voltar a Confiar” também apresentou proposta do Conselho da Comunidade para que o Departamento de Tratamento Penal da Susepe tenha uma referência dentro da instituição para planejar, coordenar, orientar e supervisionar políticas e ações de assistência espiritual nas casas prisionais.

O coordenador estadual de Evangelização Carcerária da Igreja Universal, Jeferson Mesquita da Silva, contou sobre a sua própria recuperação pela fé e apresentou o trabalho realizado pelo programa social que reúne hoje 900 voluntários no Rio Grande do Sul. “O evangelho mudou a minha vida e hoje eu trabalho para que ele mude a vida de outras pessoas”, declarou. O pastor falou sobre a experiência do último final de semana, quando 1500 crianças participaram das celebrações de Páscoa na Cadeia Pública e na Penitenciária Estadual Jacuí. “Se, de um lado, há pessoas dispostas a doar suas vidas pela ressocialização de um irmão, existe também o esforço e sensibilidade da administração do presídio, não só em abrir as portas, mas em acreditar e criar condições para que esse trabalho seja feito. Não haveria êxito nessas campanhas se não houvesse a soma de forças”, concluiu. 

Presenças

Também participaram da audiência pública o delegado da 1ª Delegacia Penitenciária Regional (DPR), Sandro Oliveira; o delegado da 2ª DPR Anderson Prochnow; a representante da OAB/RS, Martina Moraes Rodrigues; o delegado da 1ª DPR, Lauro Priebe; o representante da Sociedade Bíblica do Brasil, Ricardo Oliveira; os delegados da 9ª DPR Ben Hur Oliveira Goulart e Ricardo Cassal; a diretora da Susepe Mara Nadir Borba Minotto; o diretor administrativo da Penitenciária Modulada de Osório, Adilson Rich; o delegado da 4ª DPR Rosálvaro Portella; o diretor da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (PASC), Eduardo Saliba; o delegado da 8ª DPR Bruno Carlos Pereira; a coordenadora técnica da 7ª DPR, Joseana Alves; o capelão Capitão Gilvani Silveira, presidente da Interchap-Global Unidade Brasil, além de pastores e voluntários de instituições religiosas diversas.

Visitas aos presídios

Foram realizadas visitas técnicas à Cadeia Pública (antigo Presídio Central); à Penitenciária Modulada de Ijuí; ao Centro de Tratamento de Dependência Química Novos Horizontes, em São Leopoldo; à Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba; aos presídios regionais de Santa Maria, Caxias do Sul e Santa Cruz do Sul, além da Penitenciária Estadual de Canoas.

Jorn. Karine Bertani MTE 9427 | Assembleia Legislativa/RS

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